
Foi direto para casa, sentou-se na poltrona da sala e abriu o primeiro e maior dos envelopes. Era um certificado de conclusão, atestando que ele, Tiago, concluíra com louvor o Curso de Formação de Super-Gerentes da Gerentes Unidos, sob a supervisão do Professor De Rose. Bem, menos mal, poderia adicionar mais um item a seu currículo, mas de alguma forma o certificado, que antes era tão importante, de certa forma já não tinha o peso que tivera até então.
O segundo envelope, bem menor, continha apenas uma breve nota manuscrita, assinada pelo próprio Professor:
“Caro Tiago. Espero que tenha aproveitado bastante sua experiência destes três últimos meses. Não se preocupe em saber como tive acesso a seu desempenho, mas sei exatamente como se sente. Tudo isto é fruto de algo que talvez você jamais tenha feito durante todos estes anos de estudo e trabalho: reflexão. Não por incompetência, esteja certo disso, mas por falta de orientação. Somos constantemente incentivados a apresentar resultados e tomar decisões, mas nunca a refletir sobre estes resultados e estas decisões. Hoje começa sua caminhada em direção a ser realmente um Super-Gerente. Não pense nem por um momento que você somente cometeu erros até agora; longe disso. Você demonstrou competência, visão, liderança e iniciativa em diversas ocasiões. Faltou-lhe até hoje a observação, o poder de análise, a investigação, em suma, a reflexão que você não achava parte integrante da função de chefia. Apontei, nestes últimos 90 dias, o fracasso, visando a abrir-lhe os olhos para o sucesso, que você tem plenas capacidades de atingir. Espero ter contribuído para o que você será no futuro. Talvez sua carreira de gerente na verdade esteja começando hoje. Todos merecem uma segunda chance. Seus funcionários e você. Boa sorte. Prof. DeRose.”
Recostou-se mais ainda na poltrona, relaxando o corpo, fechou os olhos e refletiu sobre tudo que tinha vivido nestes últimos três meses. Professor DeRose... uma grande pessoa... Tudo ainda parecia um pouco fantasioso, mas inegavelmente foram três meses produtivos... cansativos... mas produtivos... reflexão... então esse era o segredo... Super-Gerente... de alguma forma sentiu-se aliviado... tiravam-lhe um peso enorme do corpo, da mente... acabou adormecendo...
Acordou sozinho no auditório do congresso, metade das luzes já estavam apagadas, duas pessoas limpavam o lugar e um vigia caminhava em sua direção, provavelmente para acordá-lo e pedir que deixasse o local. Levantou-se sem jeito - deveria ter sido motivo de risos para os que saíram -, entrou no carro e foi para casa, uma sensação estranha a perturbá-lo. As imagens eram muito reais, mas tudo fora um sonho, não havia qualquer dúvida. Fora, no entanto, um daqueles sonhos vívidos, intensos, em cores, que parecem realmente ter durado muito tempo, neste caso, três meses. Então estava explicado o caráter fantasioso de toda a história, mas... - os fatos eram reais! Seriam verdadeiras também as conseqüências, as implicações? Havia uma maneira de descobrir, mas sem saber por que, tinha medo. Parecia que algo inusitado iria mudar sua vida radicalmente dali para frente. Sabia o que fazer, mas hesitava, temia o que sabia que encontraria.
Em casa tomou banho, jantou, assistiu ao jornal, conversou com a mulher, ouviu sua reprimenda por não ter ido buscá-la no trabalho, como fora combinado.. enfim deixou o tempo passar, como que evitando ir aonde tinha de ir, fazer o que tinha de fazer. A curiosidade foi maior. Precisava tirar tudo a limpo. Um sonho? Somente isso? Mas se estivesse certo, tudo seria mais inexplicável ainda. Até agora tudo fazia sentido: um sonho. Intenso, mas só um sonho. Não agüentou mais e foi ao computador, onde, se existisse alguma, estaria a resposta a suas dúvidas. Ligou a máquina, fechou os olhos, hesitou e constatou por fim o que já esperava: lá estavam todas as suas anotações, os três parágrafos, tudo que escrevera durante o “sonho” estava lá. E não estava dormindo agora. Estava mais acordado do que nunca.
Acordado e confuso. O “curso” fora um sonho... mas a prova de que ele existira estava ali à sua frente. Paranormalidade? Alucinação? Não havia explicação plausível. Estava tudo ali: digitado, salvo, arquivado...
Havia mais uma última coisa a fazer. A prova das provas. O inexplicável do inexplicável. Abriu o programa de e-mail e, como afirmara a secretária, havia uma mensagem do Professor: “Parabéns, Tiago, você conseguiu. Foi um processo árduo, mas dificilmente você se arrependerá. Algumas coisas deixam marcas que não se apagam. Use tudo que experimentou como uma ferramenta em sua vida profissional. Não se deixe abater. Observe, analise, investigue e, acima de tudo, reflita. Reflita sempre. Sobre tudo e todos. O bom gerente vê à frente antes de todos os demais. Prever o futuro implica investigar o passado e analisar o presente. Boa sorte. Prof. DeRose.” No anexo, os três resumos que entregara e o recibo de quitação eximindo-o da multa rescisória.
Não procurou o remetente do e-mail. Nem os cartões de visita. Tampouco os telefones e endereços. Por alguma obscura razão, sabia que nada disso existia concretamente. Jamais conseguiria encontrar o Professor DeRose. E, no entanto, tinha-lhe ensinado algo que jamais esqueceria. Não era mais a mesma pessoa. Nem o mesmo gerente. Sorriu. Afinal, agora era um Super-Gerente... ou começava a sê-lo...
***
Atualizado em 24/07/10
Senti-me de volta à minha antiga sala na grande multinacional onde ocupei o cargo de gerente e me vi passando por situações muito parecidas.Só quem teve esse tipo de contato com a vida corporativa pode entender o drama ao se descobrir um ídolo com pés de barro. A ilusão do poder que cega os valores humanos. Depois, o inevitável tropeço e o "cair na real". O ego inflado sofre um rude golpe e a pessoa começa a se questionar a promover as necessárias mudanças. Tudo isso foi mostrado de forma contundente e impecável e o toque de mistério/suspense só tornou o texto ainda mais convidativo. Você se superou, Joe.
ResponderExcluirNão consegui parar de ler até chegar ao final.
Um grande abraço e um feliz 2010 - com mais textos e livros. Zoê
Achei o texto muito interessante. Despertou-me a curiosidade e não consegui parar sua leitura.
ResponderExcluirAcho que nossas vidas, não só as empresas, estão cheias de Tiagos que passam por cima de tudo e de todos sem parar para analisar o impacto que suas atitudes podem causar. É tudo resultado de um efeito dominó. Tudo que fazemos geram impacto em nós e nos outros.
O texto passa muito bem o estilo do autor, balanceando os momentos dramáticos com trechos de observação céptica em relação ao comportamento humano temperados com algumas pitadas de humor sutil. Além disso, o fantástico foi uma saída de mestre para que o autor pudesse dar azas a sua criatividade sem preocupar-se em ter que explicar o que não poderia mesmo ser explicado.
Agora vou ler o próximo texto. Espero que seja tão bom quanto o que acabo de ler.
Parabéns JM
Grande Abraço
Cléa
Caro Manu.
ResponderExcluirLindo o texto...em suma: é preciso correr riscos, seguir certos caminhos e abandonar outros. Nenhuma pessoa é capaz de escolher sem medo.
Um 2010 de novos caminhos rumo ao sucesso!!!!!!
Beijos
Cris
Gostei do texto. A narrativa é bem dinâmica, prende a gente ao enredo. É interessante quando você traz um tema como o autoconhecimento para um meio empresarial, como é o caso do Tiago. Isso nos leva a refletir sobre o quanto o trabalho, e o próprio dinheiro, nos faz perder a polidez e a humanidade no trato com as pessoas. Que valores nós queremos? O que é mais importante? Parabéns!
ResponderExcluirPs: O final Fantástico é bem interessante. Deixaria até mesmo Poe curioso.
Beeijo Ziza