
Apresentações, workshops, demonstrações de softwares, tudo dentro do esperado: coisas boas, coisas ruins, no mínimo mais um certificado de participação para melhorar o currículo. Segunda a sexta, dia inteiro; no fundo cansa mais do que trabalhar, por incrível que pareça, mas vale para quebrar a rotina. No entanto, Tiago chegou ao último dia satisfeito: fez bons contatos, mostrou seu conhecimento, assistiu a umas palestras interessantes... é, pode-se dizer que foi um bom encontro. Só falta o fechamento, com o sorteio de uma surpresa, o que será? Bem, a mulher só sai do trabalho às sete e como ele hoje vai buscá-la, não custa assistir ao encerramento. Quem sabe ganha algo no sorteio?... Além disso, está cansado, a cadeira é confortável... é... vamos ver no que dá esse sorteio...
Pouca gente no auditório, ele está sentado no meio, vêm os discursos de praxe, agradecimentos, lista de patrocinadores, anúncios... e agora o grande sorteio. Terceiro prêmio, um final de semana num hotel-fazenda: a ganhadora saltita de felicidade, provavelmente pensando num final de semana com o namorado. Segundo prêmio: seis meses num curso de línguas, a escolher: bem sorteado... o rapaz parece realmente não poder pagar por um curso desses. Primeiro prêmio: mil dólares em livros da editora patrocinadora do evento, líder de mercado em títulos de Administração de Empresas. Para variar, Tiago não ganhou nada, mas já são seis da tarde e ele não precisou fazer hora num bar qualquer das redondezas. Aplausos e desejos de boas realizações e bons negócios, despedidas rápidas e Tiago se levanta para sair do Auditório, estica as pernas, os braços, e, já no corredor entre as cadeiras sente alguém tocando-lhe o ombro.
Vira-se e uma mulher linda e sorridente comunica-lhe que o Prof. DeRose deseja falar-lhe, se não for incômodo. Incômodo? DeRose? O maior guru do mundo dos negócios? O mestre dos mestres da Administração? Autor de inúmeros livros de cabeceira dos aprendizes de gerente? Claro que não é incômodo algum. A mulher o leva até uma sala, onde um senhor de seus 65 anos o cumprimenta com um forte aperto de mão. Tiago ainda está meio zonzo com a situação; o que será que o Prof. DeRose poderia querer com ele? Nunca se viram.
- Boa tarde, Tiago. Sente-se, por favor. Prometo não tomar muito o seu tempo. Afinal, é o último dia do Congresso e você deve estar cansado.
Como sabia seu nome? Meio estranho, isso. Bem, vamos pagar para ver.
- Nada disso, o prazer é meu. Li alguns de seus livros e sou fã de carteirinha... Não é todo dia que a gente pode conversar com o grande Prof. DeRose. - disse e se sentou, ainda curioso.
- Ora, ora, Tiago, o que é isso?... Não me encabule... Eu já estou de saída do mundo... vocês jovens é que irão segurar o bastão daqui por diante... Sou só alguém que já viveu um pouco mais do que você... Mas vamos ao que interessa. Quer beber algo? - perguntou, levantando-se e se servindo de um whisky com gelo.
- Aceito. Pode ser o mesmo que o senhor está bebendo. - Pensou em quanta honra tomar um whisky com o Prof. DeRose. Quando contasse isso na empresa...
- Aqui está. Se quiser mais, é só se servir... já não posso ficar me levantando toda hora. - disse o Professor com um sorriso. Era um homem de boa aparência, com o peso da idade, cavanhaque e barba grisalhos, a mistura tradicional do sábio e do bon vivant.
Após alguns minutos de silêncio, durante os quais parecia estudar Tiago, o Professor prosseguiu.
- Como eu disse, vamos ao que interessa. Você pode estar estranhando um pouco eu saber o seu nome... - disse, sorrindo misterioso.
- Na verdade sim... Confesso que me deixou curioso.
- Entendo. Na verdade, minha empresa de consultoria sempre oferece um prêmio durante este congresso. Analisamos os currículos dos participantes e um grupo de pessoas escolhe anualmente um dos participantes para receber nosso prêmio. Você nunca deve ter ouvido falar disso, naturalmente... mas é proposital. Somos uma organização filantrópica e não gostamos muito da banalização da propaganda.
- Realmente, nunca ouvi falar... Acho que nem conheço sua empresa... - interveio Tiago, agora mais curioso ainda e surpreso com a situação em que se via.
- Ah, sim, tome nosso cartão. Gerentes Unidos é o nome. Como disse, não anunciamos; você não vai nos encontrar nas páginas amarelas. - disse com um sorriso, entregando um cartão a Tiago, que o leu e guardou no bolso do paletó. O Professor continuou:
- Deixe-me falar mais de nosso prêmio anual. Sabemos que este Congresso reúne a nata dos administradores de nosso país e por isso decidimos patrociná-lo. Estudamos os currículos dos participantes e, com base em diversos critérios que não quero aprofundar agora, escolhemos três participantes para oferecer nosso prêmio, uma espécie de curso. Escolhemos sempre três para o caso de até dois não aceitarem nossa proposta.
Tiago não poderia estar mais confuso e ao mesmo tempo curioso. Alguém já teria recusado o convite?
- E eu sou que número da lista? - perguntou, sem muita convicção e com um sorriso amarelo nos lábios.
- O primeiro da lista. Se recusar, entraremos em contato com os outros dois amanhã. Suponho que esteja curioso com o que eu tenha a lhe oferecer... - disse e sorriu enigmático.
- Estou sim, confesso. De que se trata este prêmio? Embora eu não saiba se mereça... - falou Tiago, tentando demonstrar modéstia, mas no fundo já um pouco agraciado por ser o escolhido dentre tantos.
- Vou explicar. Nosso prêmio se chama O Super-Gerente e é difícil classificá-lo. Na verdade é como se fosse um curso e você será orientado indiretamente por mim. Uma vez que você aceite a proposta, você só tem de assinar o termo de compromisso e receber a primeira parte do material. Você trabalhará com este material durante trinta dias e o devolverá intacto para poder receber a segunda parte. Você também utilizará este material durante trinta dias e o devolverá. O mesmo ocorrerá com a terceira parte. Ao devolver a terceira parte, você receberá a quarta parte, que ficará em suas mãos para sempre; não é preciso devolvê-la. Nada lhe posso adiantar sobre o material e o equipamento por questões de sigilo, mas posso assegurar que você estará sob um treinamento intensivo para se tornar O Super-Gerente deste ano. Esta é nossa nona edição do prêmio e até agora nossos candidatos se saíram muito bem e ficaram muito satisfeitos. O que acha?
Tiago não tinha compreendido muito bem ainda do que se tratava o tal prêmio; algo nele gostava da idéia, mesmo compreendida só parcialmente, e algo nele não se sentia muito à vontade. Disse então:
- Honestamente, fica um pouco difícil para mim aceitar ou não algo que não me foi apresentado completamente. Desculpe a sinceridade, mas ainda não consegui ter uma idéia bem concreta deste prêmio. - foi o que conseguiu dizer, um tanto hesitante.
- Claro, claro - disse o professor -, não o culpo. Não posso ser muito mais específico do que isso e na verdade você terá de aceitar ou não um tanto quanto no escuro. Não ficarei chateado se recusar, mas você, de acordo com nossa avaliação, tem o perfil exato daquele que consideramos como possuindo o potencial para se tornar um Super-Gerente, e não gostaríamos de desperdiçar a oportunidade. Temos em mente tão-somente seu crescimento profissional e humano. Talvez eu mesmo e minha reputação sejam as únicas credenciais que poderia lhe oferecer no momento. É pegar ou largar.
Tiago sentiu uma ponta de raiva quando considerou esta última frase como sendo um pouco arrogante demais. Como poderia pegar ou largar algo de que não conhecia os detalhes? Por outro lado, estava feliz com o convite, pois de fato a reputação do Professor DeRose era mais do que uma credencial, era um verdadeiro passaporte para o sucesso.
- Professor - tentou prosseguir Tiago -, desculpe-me mais uma vez a franqueza, mas não sei se devo aceitar. Os detalhes ainda estão meio obscuros. O material é de leitura? Serei avaliado? Quais os critérios? O que terei de fazer exatamente?
- Suas dúvidas são muito pertinentes, Tiago. - respondeu o Professor. - Posso dizer que você receberá algumas instruções em papel, não mais do que uma página, juntamente com um equipamento sofisticado. Você só precisa ler as instruções e utilizar o equipamento, que lamentavelmente não posso dizer qual é... mas posso garantir que ele não lhe causará qualquer mal... - disse o Professor, sorrindo com a própria brincadeira.
- Sei... - disse Tiago. - O senhor falou em algo relativo a assinar papéis...
- Ah, sim, claro - retomou o Professor, ajeitando-se na poltrona. - Isso é muito importante. Como se trata de um prêmio, evidentemente tudo é gratuito, com uma única exceção.
- E qual é? - perguntou Tiago desconfiado.
- Se você desistir antes de receber a quarta parte do material, você terá de nos indenizar em 10 mil dólares. Essa é a condição. Na verdade, se você pensar bem, seu único compromisso é receber o material, ler as instruções, utilizar o equipamento fornecido, devolver o equipamento... fazer isso três vezes e receber a quarta parte... mais nada... Ah, sim - prosseguiu, parecendo lembrar-se de algo importante -, você falou em avaliação. Você será avaliado por mim, sim, e ao final de cada, digamos, módulo, ao devolver o primeiro, o segundo e o terceiro lote recebidos, terá somente de entregar um comentário escrito de um parágrafo sobre a experiência que vivenciou. Só isso. Não vou julgar o que escrever, nem dar nota; só receber e ler. E um parágrafo, convenhamos, é bem pouca coisa... - disse e sorriu.
- Interessante... embora ainda vago. - disse Tiago, sorrindo um tanto sem graça - E eu corro o risco de ser, vamos dizer, reprovado, entre o primeiro e o segundo módulo, ou entre o segundo e o terceiro? Por favor -, continuou ainda mais envergonhado - desculpe a sinceridade... e a preocupação tão infantil...
- Ora, não se envergonhe - atalhou o Professor, interrompendo-o -, são preocupações plenamente justificáveis. Na verdade, até agora ninguém foi reprovado, mas não se esqueça de entregar suas impressões e devolver o equipamento ao final dos três módulos. Lembre-se de que ao final do terceiro módulo, você devolverá o que tiver recebido da terceira vez e receberá o último lote de material, que será seu definitivamente e sobre o qual não desejaremos receber qualquer comentário. Ah, e receberá também seu recibo de quitação, isentando-o da multa rescisória do contrato que assinou.
Após uma longa pausa, o Professor perguntou:
- Então, Tiago, o que me diz?
Tiago não sabia o que responder. Não gostava de tomar decisões a esmo, sem estar certo, absolutamente certo do que se tratava o negócio... Esta postura o tinha feito galgar degraus onde trabalhara... Difícil decidir... Entretanto, a perspectiva de trabalhar com o Professor DeRose - não, não perguntaria por certificados; isso seria muito mesquinho -, a satisfação por ter sido selecionado, tudo isso pesava bastante... E a rigor, leria com atenção o tal contrato, mas parecia algo meio pró-forma, não se sentia ameaçado com a tal multa...
Tiago nunca soube se aceitou o convite porque almejava conhecer mais de perto o trabalho do Professor, se porque foi colocado contra a parede e obrigado a tomar uma decisão muito rapidamente, se porque teve o ego afagado por ter sido selecionado dentre tantos outros participantes do evento, ou até se porque já estava ficando atrasado para buscar sua mulher no trabalho. O fato é que aceitou.
- Bem, Professor - disse Tiago, ao fim de mais uma longa pausa -, vinda do senhor, uma proposta não poderia ser maliciosa ou ruim para qualquer pessoa. O senhor tem um nome a zelar e acredito que sua paixão por escrever e ensinar seja maior do que qualquer outro motivo. Vou aceitar, sim, e espero poder conhecer seu trabalho mais a fundo. Além do que estou muito feliz por ter sido selecionado...
- Tiago, você me deixa muito feliz - disse o Professor, satisfeito. - Na verdade, deixe-me dizer que aparentemente nunca nos enganamos em nossas escolhas: todos os que aceitaram nosso convite, você inclusive, eram os primeiros de nossa lista durante todos estes anos. E a julgar pelas avaliações e pelo acompanhamento de nossos outros, digamos, alunos, temos tido bastante sucesso com nosso prêmio. Espero que goste e aproveite bastante nossos ensinamentos. Mas deixe-me perguntar uma última vez: compreendeu inteiramente a questão da multa? Concorda com as condições?
Agora Tiago já não poderia voltar atrás.
- Entendi e aceito, Professor. Vamos em frente.
- Que bom, Tiago. Estou muito satisfeito. - disse o Professor e prosseguiu: - Minha secretária o acompanhará e lhe entregará o contrato para assinar e o cronograma de suas atividades.
O Professor levantou-se, abraçou Tiago carinhosa e demoradamente e chamou a secretária. Tiago não pôde deixar de notar um brilho de satisfação nos olhos do Professor e pensou: “Realmente acho que tomei a decisão correta. Esse homem é um professor nato. Parece que vive para ensinar. Gosta do que faz. Bem, ou será uma perda de tempo completa, ou nunca vou me esquecer desse, sei lá o quê, curso...”
E jamais se esqueceu mesmo...